segunda-feira, 25 de março de 2013

MODALIDADES DE DELÍRIO

A palavra Delírio etimologicamente significa "sair dos trilhos" (de: fora; e liros: sulcos). Por definição o conceito de Delírio consiste em alteração do juízo de realidade (capacidade de distinguir o falso do verdadeiro) e implica em lucidez da consciência. Para que se use o termo "delírio" Jaspers propõe que esta alteração do juízo não seja decorrente de uma perturbação da inteligência nem que seja secundário a um estado de consciência momentaneamente alterado, quando existe um distúrbio da consciência produzindo uma alteração de juízo, chamamos, então, de "delirium".

                                                             Idéias Delirantes 
 
Uma descrição demasiado fácil do Delírio seria dizer: o delírio é uma convicção errônea não-corrigível. Mas, seria preciso lembrar que nem toda convicção errônea não-corrigível é um Delírio. Se essa convicção se relacionar à falta de cultura ou erudição, à falta de conhecimentos ou de inteligência, não será um Delírio, mas sim um déficit cultural ou cognitivo.

Tampouco será Delírio as representações errôneas que se originam de sentimentos compreensíveis. Se o amante, por exemplo, está convicto da perfeição da amada imperfeita, não se trata de idéias delirantes. As convicções filosóficas ou religiosas também não são Delírio, mesmo que muitas pessoas as considerem errôneas elas devem ser classificadas como idéias supervalorizadas.

Se desejarmos qualificar o Delírio como um erro, é preciso que se trate de um erro não ambíguo, nem justificável, nem circunstancial e nem, muito menos, emocional. Deve tratar-se sim de um erro que está em oposição visível à realidade objetiva dos fatos. No Delírio ocorre alteração do conteúdo do pensamento, mas não da memória e nem da atenção.

Jaspers define o Delírio com sendo um juízo patologicamente falseado e que deve, obrigatoriamente, apresentar três características:

1. Uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável com impossibilidade de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica;
2. Um pensamento de conteúdo Impenetrável e incompreensível psicologicamente para o indivíduo normal e;
3. Uma representação vivencial sem conteúdo de realidade que não se reduz à análise dos acontecimentos vivenciais.

É irremovível e inabalável porque, diante do paciente delirante não se consegue demover o conteúdo de seu pensamento mediante qualquer tipo de argumentação. Caso o paciente se deixe convencer pela argumentação lógica e razoavelmente elaborada, decididamente não se trata de um delírio, mas de um engano ou de uma formação deliróide. A argumentação racional e lógica não deve afetar a realidade de quem delira, independentemente da capacidade convincente e da perseverança daquele que se empenhar nesta tarefa infrutífera. Para ser Delírio a convicção dever ser sempre inabalável e irremovível.

Em relação à segunda regra de Jaspers, será impenetrável pela impossibilidade do Delírio ser compreendido por pessoas que mantém vínculo sólido com a realidade. Fica claro que a lógica do delirante não é aplicável à lógica dos indivíduos normais, daí a incompreensão psicológica do Delírio: ele carece de relação entre a temática delirante e os elementos da realidade, notadamente com a conjuntura vivencial do paciente.

Ao postular esta regra tríplice Jaspers definia aquilo que chamamos de Delírio Primário. Em outras palavras, a irredutibilidade do Delírio quer dizer que não pode haver uma relação compreensível entre o tema delirante e possíveis vivência causadoras. O que se confunde, às vezes, são histórias de afastamento da realidade posteriores à traumas emocionais mas, como já dissemos, tratar-se-á aqui de Idéias Deliróides e não de Delírios francos.

Na Idéia Deliróide, ao contrário da Idéia Delirante, podemos reduzir o conteúdo fantasioso do pensamento à uma análise vivencial e psicodinâmica plausível. Um jovem de 23 anos, por exemplo, vítima de acidente do trabalho que lhe custou a perda de quatro dedos da mão direita, começou apresentar uma expressiva inadequação afetiva (ao invés de aborrecido, mostrava-se feliz) e um Delírio no qual julgava-se Deus, cheio de poderes, auto suficiente e ostensivamente ameaçador para com as pessoas que dele duvidavam. Resumindo, está claro que tal ideação emancipada da realidade era compreensível: tratava-se de um Mecanismo de Defesa psicotiforme no qual, estava mutilado mas, em Compensação o seu poder passou a ser infinito. Trata-se pois de uma Idéia Deliróide ou um Delírio Secundário, o qual habitualmente pode fazer parte de uma Reação Psicótica Aguda.

No Delírio o relacionamento entre o paciente e as outras pessoas se deforma grotescamente e o doente se exclui da comunidade, se afasta da Concordância Cultural que deveria permear a vida gregária num determinado sistema, portanto, podemos dizer que o Delírio tende ao autismo. Ele experimenta sua convicção doentia sem se preocupar, de forma alguma, com outros pontos de vista, interesses e juízos. O paciente delirante quase exclui o outro, ou quase se exclui dos outros, ele não sente necessidade de comprovar sua convicção diante da realidade, não se preocupa em fundamentá-la nem para si, nem para os demais.

Quando uma pessoa sadia tem motivos para temer que está sendo perseguida por espiões, se sentirá compelida a refletir a respeito desse seu receio e a discutir o assunto com amigos, queixar-se para alguém... O doente delirante não. Ele sabe, simplesmente, que está sendo perseguido e não necessita fundamentar esse conhecimento com outras pessoas.

À essência do Delírio pertence ao seu aspecto inabalável. O delirante não se deixa influenciar nem pela experiência, nem por argumentações lógicas. A Idéia Delirante, ou Delírio espelha uma verdadeira mutação na relação eu-mundo e se acompanha de uma mudança nas convicções e na significação da realidade. O delirante encontra-se imerso numa nova realidade de forma à desorganizar a sua própria identidade, e se desorganiza pela ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o interno e o externo, ou seja, entre o eu e o mundo. Por isso dizemos que o Delírio tende ao autismo.

A diferença entre convicções pouco prováveis das pessoas não psicóticas e Idéias Delirantes pode não ser fácil. Não devemos falar de idéias delirantes quando uma pessoa religiosa arquiteta pontos de vista próprios dos assuntos de sua religião, contudo, podemos falar de idéias religiosas delirantes quando alguém se apega à idéia de ser um Superdeus ou de que será o salvador do mundo, e mantém essa idéia mesmo diante da lógica em contrário. Para poder lidar com o conceito de Idéia Delirante, há necessidade de saber que erros incorrigíveis a pessoa não psicótica costuma formar com freqüência e quais os erros que não costuma formar, no contexto da sociedade em que vive.

No campo da crença, da visão filosófica do mundo e da superstição, é difícil formar um julgamento simples. Não devemos medir o erro de uma idéia que desconfiamos ser delirante, de acordo com as nossas próprias convicções religiosas ou filosóficas. Em outros casos, entretanto, é possível dizer que uma idéia é errônea e tem origem mórbida, na medida em que ela não costuma surgir em nosso meio sem que exista a doença mental.

Desta forma, podemos admitir a existência de Idéia Delirante quando, por exemplo, um lavrador comum declara, sem qualquer fundamento, que se transformou no chefe da rede de espionagem de uma grande potência, por meio da hipnose dos espíritos, ao passo que não desconfiamos necessariamente de delírio quando alguém, muito religioso, se julga convocado pelos desígnios divinos a ajudar os pobres.

                                                                     Idéias Deliróides
                                             

Kraepelin definia os delírios como "idéias morbidamente falseadas que não são acessíveis à correção por meio do argumento". Bleuler, por sua vez, dizia que "Idéias delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma insuficiência da lógica, mas por uma necessidade interior. Não há necessidades interiores senão afetivas". Como percebemos, Kraepelin se referia àquilo que entendemos por Delírio Primário, enquanto Bleuler, ainda mesmo sem cogitar a concepção de Idéia Deliróide, já ventilava a possibilidade desse tipo de Delírio Secundário.

Todos nós tendemos a desenvolver ficções reconfortantes úteis para proporcionar apoio e segurança à personalidade. Aparentemente, o espírito humano sempre desenvolveu ou adotou crenças bem elaboradas num esforço para satisfazer necessidades íntimas. A construção de crenças fantasiosas confortadoras como proteção contra a ansiedade e a insegurança, tem ocorrência universal. Este foi, em outras épocas, o propósito oculto dos nossos contos de fadas, das narrações épicas de pessoas poderosas, dos mitos e crenças.

As vezes a solicitação para satisfação das necessidades íntimas da personalidade pode ser tão contundentes que a realidade é totalmente desprezada em favor de Idéias Deliróides. A realidade sofrível pode ser transformada a fim de torná-la mais compatível com as necessidades emocionais da personalidade.

Desde Jaspers, diversos autores dizem que o delírio é algo que não pode ser explicado psicologicamente e cuja ocorrência só se pode conceber em conexão com algo misterioso que acomete o psiquismo a partir do orgânico. Outros autores observam haver no delírio muito que possa ser psicologicamente explicado, compreendido e sentido.

Eugene Bleuler, mesmo sem adotar o termo Idéia Deliróide, defendeu esta posição reconhecendo idéias falsas que decorriam de estados mórbidos de alteração de humor. Observou que, ao passo que o deprimido leve apenas temia ficar pobre, doente ou que pudesse ter cometido um pecado, o deprimido grave tinha certeza disso e não havia meios que pudessem convencê-lo a abandonar tais pensamentos. Igualmente na euforia doentia, Bleuler via surgir uma elevação anormal da auto-estima, a qual se desenvolvia numa idéia de grandeza firmemente estabelecida.

Das observações de Bleuler estabeleceu-se aquilo que se concebe como Idéias Deliróides, ou seja, das idéias com características de Delírio no que diz respeito ao afastamento da realidade, porém, possíveis de interpretação psicológica. Mais precisamente, falsas idéias decorrentes de expressivas alterações afetivas. Kolb, tal como Bleuler, também trata dos Delírios e Idéias Deliróides como uma coisa só. Ele refere um exemplo bem sugestivos das Idéias Deliróides mostrando até que ponto as necessidades íntimas podem produzir distorções da realidade, negações e emprego inadequado de fatos, de uma forma considerada delirante:

Durante a Primeira Guerra Mundial, uma mulher foi informada pelo Departamento de Guerra que seu marido fora morto em certa data e enterrado em certo lugar da França. Vários meses depois, ela visitou o Departamento e expressou a convicção de que seu marido estava vivo e que o corpo do seu suposto marido era realmente o de uma pessoa desconhecida para ela. As autoridades militares apresentaram provas de que não fora cometido nenhum erro, mas a viúva continuou incrédula e pediu que o corpo do seu suposto marido fosse levado de volta América e examinado.

Isto foi feito e o número de identificação, assim como a localização dos ferimentos, corresponderam aos registros do Departamento de Guerra. Ainda assim a mulher permaneceu incrédula. Finalmente o motivo para sua ilusão apareceu. Entre os papéis do falecido marido, reunidos após sua morte e enviados à viúva, havia cartas apaixonadas de outra mulher. A paciente protegera-se a si mesma da penosa realidade de que não era a primeira na afeição do marido, criando a crença de que o homem que fora morto e cujos papéis lhe haviam sido enviados era outro.

A distinção fundamental entre Idéias Delirantes e Idéias Deliróides se liga, indissoluvelmente, à Karl Jaspers. Nas Idéias Deliróides as experiências são assimiladas e a imagem do mundo exterior fornecida pela sua razão é falsificada de acordo com as demandas afetivas e instintivas fragilizadas. Ele age como se seu sistema deliróide constituísse a realidade da qual necessita.

O raciocínio que caracteriza a Idéia Deliróide é bastante similar àquele que todos nós utilizamos, embora de grau diferente. Por isso a Idéia Deliróide nos é compreensível na maioria das vezes. Nossas crenças tendem a ser subjetivamente coloridas e, sem dúvida, todos recorremos a certas ficções por segurança. O emprego fisiológico e normal da Racionalização e da Projeção com propósitos defensivos, por exemplo, têm igual objetivo psicológico que a utilização patológica desses mesmos Mecanismos de Defesa, como acontece nas Idéias Deliróides.

As Idéias Deliróides, notadamente aquelas organizadas e sistematizadas, constituem tentativas de manipular os problemas e as tensões da vida através da fantasias elaboradas para fornecer aquilo que a vida real nega, entretanto, devido ao seu aspecto mórbido, tais fantasias não são construídas numa estrutura compatível com uma adaptação social normal.

A direção e o tema das Idéias Deliróides pode ser determinados pelos problemas e necessidades íntimas do paciente antes de se tornar doente. Verificamos, com freqüência, que o conteúdo das Idéias Deliróides revela aspectos significativos dos problemas pessoais do paciente.

As fontes desses problemas podem ser freqüentemente encontradas em inclinações e impulsos contrariados, esperanças frustradas, sentimentos de inferioridade, inadequações biológicas, qualidades rejeitadas, desejos importunantes, sentimentos de culpa e outras situações que exigem uma defesa contra a angústia. Uma profunda necessidade de consolo pode ser satisfeita por idéias auto-elogiosas, portanto, uma falsa Idéia Deliróide de grandeza, por exemplo, pode refletir uma defesa contra sentimentos de inferioridade.

Muitas vezes, todavia, a função psico-emocional da Idéia Deliróide está longe de ser óbvia e sua interpretação permanece no terreno das especulações. Isto não significa que ela não tenha significado ou propósito. Ela possui um valor de ajustamento definido, mas sua origem e seu propósito são ocultos por seu conteúdo simbolicamente disfarçado.

Em artigo de 1910, Jaspers relata dois casos que substanciam brilhantemente essa divisão. Ele sustentou, a certa altura, que o verdadeiro Delírio de Ciúme dos casos relatados diferia de qualquer outra forma de produção mórbida de ciúme porque, em primeiro lugar, não partia de fatos reais (premissa falsa), logicamente aceitáveis e razoavelmente possíveis. Depois, porque não guardava nenhuma relação compreensível com disposições específicas de personalidade, com eventuais preocupações, com alguns complexos, conflitos ou com a dinâmica dos acontecimentos atuais.

Para Jaspers, o verdadeiro Delírio de Ciúme não podia, pois, ser explicado como traço de uma personalidade anormal no curso de seu desenvolvimento, mas sim, como algo novo que se inseria, em dado instante na linha vital do indivíduo, fazendo supor um desvio abrupto ou de uma quebra, uma profunda transformação qualitativa da própria estrutura pessoal.

Assim, desde essa época foram estabelecidas as diferenças essenciais entre as estruturas Delirantes e Deliróides. Jaspers afirmava que o verdadeiro delírio é um fenômeno primário por excelência. Como fenômeno primário ele queria dizer psicologicamente incompreensível para a pessoa normal, portanto, sem compreensibilidade para uma personalidade normal e sem nenhuma semelhança com eventuais vivências psíquicas que pessoas normais são capazes de representar coerentemente. Por isso essas idéias resultam totalmente estranhas e são impenetráveis psicodinamicamente. Ilustra bem a caricatura do "louco" que, de repente, acha-se Napoleão Bonaparte, sem nada capaz de explicar psicodinamicamente tal idéia.

Além do aspecto impenetrável, os juízos verdadeiramente delirantes devem trazer ainda o timbre da certeza subjetiva absoluta, da convicção interior irremovível. Essa não-influência psicológica seria, segundo Jaspers, outra característica típica da Idéia Delirante verdadeira, atestando assim sua irredutibilidade e incorrigibilidade, tanto por meio da persuasão lógica e irresistível, como através da evidência esmagadora dos fatos em contrário.

Na Depressão Grave, como sabemos e bem atestou Kurt Schneider, embora a tristeza vital seja considerada primária, no sentido de ser também incompreensível e psicologicamente irredutível, dela deriva e se vincula toda a gama de Idéias Deliróides depressivas. Essas Idéias Deliróides são pseudo-delírios ou Delírios Secundários, como os denomina Jaspers, por tomá-los psicologicamente compreensíveis e dentro do quadro clínico geral em que se forma formam. Hoje em dia fala-se em Delírio Humor-Congruentes para essas Idéias Deliróides.

O mesmo fenômeno se observa no tocante às idéias de grandeza, tão bem observadas em estados maníacos como expressão natural do sentimento de onipotência. Nesses casos também devemos considerar o classicamente chamado delírio de grandeza como pseudo-delírio ou Idéias Deliróides, e não só aqueles observados nos maníacos, como também nos raros casos da paralisia geral progressiva.

Nos maníacos, a irrealidade das Idéias Deliróides é compreensível e explicável em função da forma clínica expansiva da doença e, nos luéticos, são explicáveis, portanto secundários, em razão do processo mórbido orgânico-cerebral subjacente, portanto, são igualmente secundários. Assim, pois, as Idéias Deliróides podem ocorrer em abundância e secundariamente nos estados maníacos e depressivos, nas psicoses orgânicas, em certos oligofrênicos leves, em personalidades psicopáticas, nos sociopatas e nas psicoses reativas.

O tema do pensamento delirado não é suficiente para dizer se trata-se de uma Idéia Delirante ou Deliróide. Assim como Jaspers se baseou em Delírios de Ciúme para definir a Vivência Delirante Primária, Bleuler se baseia no mesmo tipo de delírio, porém em alcoólatras, para discorrer sobre uma Vivência Delirante Secundária. Embora Bleuler não use o termo Deliróide, suas observações sobre o delírio de ciúme do alcoolista pode exemplificar as Interpretações Deliróides.

Pelo fato, por exemplo, de espancar sua mulher e conseqüente ruptura de relação com ela e porque o alcoolismo já atingiu um grau suficientemente elevado para desenvolver impotência sexual, tornaram-se impossíveis as relações sexuais conjugais. Uma visão realista dos fatos e uma explicação realista seria: "por causa da bebida arruinei minha vida conjugal e perdi minha potência, por isso preciso parar de beber". Mas, poucos ou nenhum alcoólatra chega a essa conclusão. A saída encontrada por eles reside na representação tentadora de que: "Naturalmente sou um esposo exemplar, de plena posse de minha virilidade, então é a minha mulher que deve ser culpada pelo fato de a nossa vida conjugal estar perturbada. Será que ela não tem um amante?"

Se a auto-estima do alcoólatra sofrer mais ainda pelo seu fracasso e a sua dependência alcoólica o isolar cada vez mais, ele finalmente julgará que a infidelidade da esposa é uma certeza. Se, por acaso, ela arrumar a cama um quarto de hora mais tarde do que de costume, isto será uma prova "irrefutável" de que ela esteve na cama com outro homem.

Segundo Karl Jaspers, nas Idéias Deliróides as experiências são assimiladas e a idéia do mundo exterior oferecida pela razão é falsificada de acordo com as demandas afetivas e instintivas fragilizadas. É como se seu sistema de pensamento deliróide constituísse uma realidade necessária. O raciocínio que caracteriza as Idéias Deliróides é bastante similar àquele que todos nós utilizamos, embora de grau muito diferente. Por isso a idéia deliróide nos é compreensível na maioria das vezes.

1. - Delírio Expansivo, Delírio de Grandeza

 
Nos casos leves essas Idéias Deliróides assumem mais a forma de supervalorização do ego. O paciente passa a possuir uma saúde excepcional, uma excepcional capacidade de realização e uma beleza superior à das outras pessoas. A partir daí o megadelírio existe em todos os graus; possibilidades impossíveis de se atingir são otimistamente consideradas, idéias de poder fazer invenções fantásticas, de possuir fortunas inesgotáveis, fundar novas religiões, ser Deus ou Superdeus.

Ocasionalmente o ambiente também é delirantemente transformado: os colegas, amigos e parentes do paciente são vistos como condes, magnatas, etc. Sua casa pode se mostrar um palacete, seu carro uma super máquina, etc.

Este tipo de Idéia Deliróide é também denominado Delírio Humor Congruente, principalmente quando acomete pacientes com Transtorno Afetivo Bipolar, na fase de euforia. Pode ainda aparecer nos Transtornos Delirantes Transitórios (ou Psicoses Reativas Breves), igualmente secundário à profunda alteração afetiva desses estados. Nesses casos ele aparece de maneira reativa, ou seja, o paciente de fato estaria transformando em delírio um mecanismo de defesa. Também será um Delírio Secundário quando aparece na Sociopatia, tal como uma fantasia mitômana secundária à um anseio teatral e intencionalmente idealizado. O tema de grandiosidade pode fazer parte de um delírio verdadeiro e primário quando aparece no Transtorno Delirante Persistente (ou Psicose Delirante Crônica).

Nas formas maníacas da Paralisia Geral Progressiva (lues) o delírio de grandeza geralmente é bastante absurdo. Nesses casos o paciente tem à disposição grandes fortunas, grande poder e pode até julgar-se general ou superdeus.

Nos casos de Transtornos Afetivo Bipolar, fase maníaca e nas Psicoses Reativas Breves o prognóstico desse tipo de delírio é bom. Eles se resolvem com a melhora do quadro maníaco, depressivo ou reativo, mediante o uso de medicação neuroléptica sedativa ou incisiva em alguns casos. Por outro lado, na Psicose Delirante Crônica e nas Sociopatias, o prognóstico da idéia delirante e deliróide, respectivamente, costuma ser péssimo. Quando muito, nesses casos, o afastamento da realidade costuma apenas esmaecer um pouco com o tratamento neuroléptico.

2. - Delírio Depressivo (ou de Prejuízo)


O Delírio Depressivo se manifesta sob a forma de Delírio Pecaminoso ou Delírio de Culpa, Delírio de Doença, Delírio de Ruína. Percebe-se claramente que todos esses tipos de delírios depressivos dizem respeito à severo prejuízo da auto-estima.

O doente com Delírio Pecaminoso crê, sem razão, ter cometido os piores crimes e pecados ou aumenta pequenas transgressões reais e tentações, mesmo apenas em pensamentos, como sendo pecados imperdoáveis. Por este motivo não apenas o próprio paciente, "nesta vida e na vida além da morte", como também todos os seus parentes e até todo o mundo será castigado de forma indescritível. O empobrecimento ou o castigo muitas vezes é pensado de forma contaminante; não é apenas o doente a ser castigado por suas dívidas ou irá morrer de fome, mas também seus parentes terão igual destino.

O Delírio de Doença depressivo é a crença de ter determinadas doenças, sempre especialmente graves. Devemos estabelecer uma distinção entre este delírio oriundo da depressão, do Delírio Hipocondríaco, que surge na Esquizofrenia ou na Psicose Delirante Persistente, sem a necessária existência de depressão.

Na depressão gravíssima, notadamente naquelas de origem orgânica, vemos ainda um quarto grupo de idéias delirantes depressivas que, embora não tão freqüentes, quando existem permitem estabelecer o diagnóstico: trata-se do niilismo, que corresponde aproximadamente ao Delírio de Negação, o qual não deve ser confundido com as manifestações negativistas. Aqui nada existe mais, nem a instituição, nem o mundo, nem Deus, nem os próprios doentes; eles não comem mas também não se abstém de comer; não possuem nome, não são homens, mulheres, etc.

3. - Delírio de Perseguição Depressivo

 
No delírio de perseguição depressivo, inicialmente os doentes sentem que as coisas e as pessoas que os cercam se tornaram estranhas. Depois descobrem que certas pessoas lhes dão ou dão a outros, sinais que se referem a si. Alguém tosse para indicar que aí vem o homem que se masturba, que tem idéias obscenas sobre mocinhas, nos jornais aparecem artigos com "claras referências" a eles, nas lojas são "propositadamente mal atendidos", no trabalho "ficam sempre com os serviços mais difíceis", são caluniados às escondidas...

Do ponto de vista psicodinâmico, percebe-se claramente que tais delírios nada mais são que Mecanismos de Defesa, do tipo Projeção, onde os pacientes projetam nos demais aspectos de sua própria auto-estima. Esse aspecto redutível, psicologicamente, reforça o conceito que se tem de idéia deliróide.

Delirium

Do ponto de vista fenomenológico os pacientes com delirium, ou seja, aqueles portadores de algum transtorno mental orgânico, têm alteração da atenção, da memória e conseqüentemente da orientação. Não apresentam pensamento sistematizado, somente fragmentos. Eles parecem não compreender o que se passa a sua volta. Outra peculiaridade é a observada piora noturna e em qualquer situação que diminua o "input" sensorial, já que sua atenção está reduzida. Podem apresentar alterações da psicomotricidade principalmente agitação noturna, retirando equipos de soro, sondas vesicais ou tentando pegar pequenos animais onde não há nada (alucinose visual).

A característica essencial do delirium consiste de uma perturbação da consciência, acompanhada por uma alteração na cognição, desde que não seja sinais de uma demência preexistente ou em evolução. O delirium se desenvolve em um curto período de tempo, de horas a dias, tendendo a flutuar no decorrer do dia. É importante observar que os distúrbios cognitivos em questão são predominantemente do nível de consciência, o que diferencia, por exemplo das esquizofrenias em que há alteração isolada de conteúdo.

O delirium não deve ser entendido como uma doença psiquiátrica primária mas, na verdade, trata-se de uma síndrome consistindo de vários sinais e sintomas neuropsiquiátricos que decorrem de uma perturbação neurológica de causa orgânica. Em idosos, por exemplo, é mais freqüente o delirium ser a manifestação de uma doença física, do que febre ou dor.

Tem existido muita confusão na literatura a respeito dessa síndrome, muito por conta dos diversos sinônimos utilizados, desde psicose orgânica até estado confusional agudo. O DSM-IV preconiza usar apenas o termo delirium.

O delirium tem sua prevalência muito aumentada nos extremos de idade. Está presente em aproximadamente 10%-15% entre os pacientes médico-cirúrgicos internados e, em idosos, chega a aproximadamente 20%. Dada a altíssima prevalência é importante o reconhecimento da doença.

                                    Humor Delirante e Curso do Delírio
Muitas idéias delirantes, especialmente na esquizofrenia, já surgem completas e subitamente na consciência, outras têm um tempo de incubação mais longo, como se carecessem de pródromos. Os pacientes inicialmente sentem como se fossem observados, como se tivessem pecado, como se algo estranho estivesse para acontecer, até que finalmente se instala a certeza do delírio.

Os doentes, durante algum tempo, podem fazer uma série de observações que chamam a atenção, como uma espécie de auto-referência e depois, repentinamente, algo se ilumina, como se tudo tivesse esta ou aquela significação. É possível que o delírio se relacione com os acontecimentos externos, de forma que os pacientes inicialmente compreendem algo de modo correto, por exemplo, um sermão, mas depois de um tempo de incubação de horas até meses, as palavras ouvidas são interpretadas no sentido do delírio.

Muitas Idéias Delirantes, especialmente na esquizofrenia, já surgem completas e subitamente na consciência, outras têm um tempo de incubação mais longo, como se carecessem de pródromos. Os pacientes inicialmente sentem como se fossem observados, como se tivessem pecado, como se algo estranho estivesse para acontecer, até que finalmente se instala a certeza do delírio.

Durante algum tempo os pacientes podem fazer uma série de observações que chamam a atenção, como uma espécie de auto-referência e depois, repentinamente, algo se ilumina, como se tudo tivesse esta ou aquela significação. É possível que o delírio se relacione com os acontecimentos externos, de forma que os pacientes inicialmente compreendem algo de modo correto, por exemplo, um sermão, mas depois de um tempo de incubação de horas até meses, as palavras ouvidas são reinterpretadas no sentido do delírio.

Para Jaspers, contrariando as teorias de subitaneidade, todo Delírio Primário é sempre e necessariamente precedido de um estado em que se misturam o espanto, a incerteza, a intranqüilidade, a confusão a perplexidade incômoda e ansiosa. A todo esse estado Jaspers dá o nome de Humor Delirante.

Esse Humor Delirante é vivido como experiência indescritível. Com freqüência os pacientes nos dizem: "Há qualquer coisa no ar" ... "Essa luz, essa claridade, positivamente, não são comuns. Tudo parece estar tão mudado". Costumam indagar, apreensivamente e reiteradamente: "Que é, hein? Que está havendo?" "Parece tudo tão estranho e tão diferente..." E, por fim, revelando a crescente ansiedade de que se acham possuídos, o pressentimento de um grave perigo que se aproxima, de alguma ameaça oculta, algo que não sabem ao certo o que seja, de onde vem e o que significa, chegando a dizer para o médico ou para os mais íntimos: "É impossível, eu sei, inteiramente impossível que alguma coisa não venha a acontecer! .... Mas, que coisa será essa, afinal?".

Em linhas gerais, o que se entende e como Humor Delirante é como um esquema mental ainda vazio e oco, uma estrutura ainda sem conteúdos definidos que tende a diluir-se com o aparecimento do delírio primário franco.

O desenvolvimento e duração das Idéias Delirantes variam muito. As Idéias Deliróides oscilam naturalmente ao sabor do estado que as causou e desaparecem com esse estado. As Idéias Delirantes, do Transtorno Delirante Persistente (Paranóia, Parafrenia...), são consideradas idéias fixas, modificando-se pouco ou nada em décadas e praticamente não desaparecem. Isso acontece bem menos constantemente na Esquizofrenia, mas pode ocorrer. As Idéias Delirantes, corrigidas na Esquizofrenia depois do surto, não são esquecidas e colocadas de lado, podendo ser relembradas ao gosto do paciente, porém, sem a convicção própria do delírio franco.

Relativamente ao curso dos delírios, estes distinguem-se em agudos e crônicos, intermitentes ou recidivantes, estáveis e progressivos e alguns outros. Entretanto, apesar da longa descrição sobre essas peculiaridades, muito pouca utilidade prática ou clínica se pode subtrair disso.

Estrutura dos Delírios

 
No que se refere à sua estrutura, é lícito e tradicional distinguir os delírios ditos Sistematizados dos Não-Sistematizados.

Os Delírios Sistematizados pressupõem uma elaboração da realidade refletindo relativa claridade de consciência, havendo aqui coerência interna entre a premissa e o tema constitutivo da fábula delirante. Acontecem, habitualmente, nas Esquizofrenias Paranóides e nas Psicoses Delirantes Persistentes.

Os Delírios Não-Sistematizados, ao contrário carecem dessa organização (conhecidos também como Delírios Desorganizados), mostrando-se, via de regra, frouxos, fragmentários, descontinuados, desarticulados, sem concatenação e sem lógica. Podem ocorrer nas Esquizofrenias em geral e, em menor freqüência, no tipo paranóide que nos outros.

Tanto Delírios Sistematizados, quanto Delírios Não-Sistematizados podem ser simples, quando constituídos de um só tipo de idéias mórbidas, seja de prejuízo, de ciúme ou de auto-acusação, ou complexos, que é mais comum, quando em sua contextura se associam idéias delirantes múltiplas e polimorfas, tais como de perseguição e de influência, de perseguição e de grandezas, etc.

Em se tratando de delírio persecutório, podem-se distinguir ainda o delírio singular e o pluralizado. No singular, todo o delírio de perseguição é constituído à base de um perseguidor único, que é o elemento decisivo e que, embora possa se desdobrar em muitos outros, é quem detém em suas mãos todos os fios do complô. No pluralizado dominam a cena perseguidores vários e anônimos, relatados no mais das vezes, simplesmente de inimigos ou, ainda, personificados em grupos sociais identificáveis, como por exemplo, a polícia, os maçons, os jesuítas, a Igreja, os comunistas, etc. Com exceção dos tipos Sistematizados e Não-Sistematizados, o restante das classificações estruturais têm utilidade clínica duvidosa, parecendo mais uma erudição pedante do que uma cultura médica.

Fenomenologia dos Delírios

 
Para Jaspers, são três os fenômenos que identificam a existência de uma Vivência Delirante Primária: Percepções, Representações e Cognições Delirantes.

1.- Percepções Delirantes
Neste caso, o delírio se forma a partir de fenômenos sensoriais perceptivos. Há uma tendência interna e irreprimível em elaborar significações delirantes dos fatos senso-perceptivos normais. Não raro, que essa compulsão consciente suceda à vacuidade caótica e torturante do humor delirante, trazendo, de algum modo, um certo alívio ao paciente, ao abrir-se-lhe a perspectiva das primeiras certezas.

De acordo com a definição da Percepção Delirante de Jaspers, podemos referir o exemplo de um paciente que, ao ver alguém correndo pela rua, logo lhe acode idéia de que aquilo pode significar o fim do mundo ou, outro paciente que, ao entrar no ônibus, imediatamente percebe o olhar fixo do cobrador, como se dissesse tacitamente que é um homossexual.

Importa, neste ponto, distinguir a verdadeira Percepção Delirante, conhecida também por Delírio de Observação, da chamada Interpretação Deliróide. Kurt Schneider, acentua que o Delírio Primário deve ser claramente emancipado de toda sorte de apreciações falsas ou errôneas da realidade nascidas de distimias ou de sobrevalências afetivas, portanto, não deve ser concebido de outras vivências.

Assim, pois, não será exato falar em Percepção Delirante, por exemplo, no caso de alguém que vá caminhando à noite por uma rua, triste e amargurado e, ao ver, apagarem-se as luzes do quarteirão de repente, sinta-se momentaneamente invadido pelo pressentimento de que alguma desgraça tenha acontecido à sua amada. Essa vivência é compreensível, levando-se em conta o estado de ânimo, deprimido e ansioso, desse indivíduo. O mesmo se pode dizer, dos inúmeros casos de Interpretação Deliróide por projeção do sentimento de culpa.

Para gravar bem essa questão, vamos falar, de um lado, da Percepção Delirante e de outro, da Percepção Deliróide. Na realidade, pode-se afirmar que na Percepção Delirante não há interpretação falsa da realidade, mas sim, novas relações que irrompem sem motivação externa ou interna compreensível, originando conexões significativas novas, na captação dos fatos da realidade. É extremamente importante considerar esses dois casos à luz dos conhecimentos sobre o perfil afetivo do paciente, bem como de sua realidade circunstancial. Na Percepção Deliróide, a significação daquilo que é percebido pelos sentidos é sempre secundariamente atribuída ao objeto percebido de acordo com a tonalidade afetiva em pauta ou a alguma outra circunstância especial.

Percepções Delirantes bastante típicas referidas por Jaspers, são as ocorrências de uma sua doente, que vê na rua uns homens uniformizados, e conclui, incontinentemente: "são soldados espanhóis". Logo adiante, vê outros, com os mesmos uniformes, e pensa: "são soldados turcos; estão reunidos aqui; é uma guerra mundial". Para um doente esquizofrênico (Delírio Primário), a visão de "uma mesa com pés torneados significa que todo mundo está maluco". Outra, Percepções Delirantes: "O boné vermelho do chefe-da-estação queria dizer: eu te reconheço". E mais ainda: "Mal cheguei à cidade, logo percebí que todo mundo ali já me conhecia".

Para valorizar a semiologia dos delírios Kurt Schneider, chega a dizer que "onde aparece o delírio verdadeiro, aí se encontra a sintomática esquizofrênica e, mesmo à falta de etiologia demonstrável, clinicamente a esquizofrenia está presente". Por causa disso, devemos ter a sensibilidade suficiente para distinguir o Delírio Primário das Idéias Deliróides e, sabendo diferenciar esses dois fenômenos podemos, com alguma ressalva, aceitar a afirmativa de Schneider .

2. - Representações Delirantes
Consistem na atribuição de significações extravagantes, inverídicas, falsas e surpreendentes a certas reminiscências, que, de regra, assaltam repentinamente a lembrança do paciente. Essas lembranças de acontecimentos remotos, apesar de quase sempre reais, são sistematicamente deformados pelo colorido doentio do paciente. Como exemplo, cita Jaspers o caso de certo paciente a quem ocorre, de súbito, a idéia de que bem poderia ser ele o filho do Rei Luiz (da Baviera) e, para corroborá-lo, refere a maneira com que aquele monarca o olhara do alto de sua montaria, durante um desfile militar, há várias dezenas de anos atrás.

Com as características do exemplo acima, vê-se que as Representações Delirantes guardam apenas uma longínqua e indireta relação com as percepções, enquadrando-se preferentemente no grupo das "representa-ções espontâneas", muito mais relacionada à memória que à percepção. Apesar dessa diferença, as vezes sutil, reconhece-se a possibilidade de confusão semiológica de tal Vivência Delirante Primária das Representações Delirantes com as Representações Deliróides, onde as reminiscências são retocadas pela tonalidade afetiva atual.

3. - Cognições Delirantes
Sob essa designação incluem-se certas convicções intuitivas que surgem inesperadamente, sobretudo no início de surtos psicóticos agudos, vivências que, não raro, se mantêm, arraigadas e firmes, durante largo tempo. O característico dessas vivências é que, em contraste com as anteriores, elas prescindem, por completo, de conexões significativas com quaisquer dados perceptivos ou representativos concretos, ocorrendo antes à guisa de intuições puras atuais. É o que pode se evidenciar no seguinte relato do tipo: "Súbito, eu me dei conta de que a situação significava qualquer coisa de mau, mas eu não sabia o que".

O mesmo se verifica, neste outro exemplo, em que a paciente se revela repentinamente tomada da tranqüila convicção de sua alta linhagem: "sabia que era filha do Presidente da República", certeza que se instala sob a forma de uma evidência interna imediata, isto é, que não lhe vem de qualquer interpretação, suposição ou reflexão crítica ou lógica, referente a acontecimentos vividos.

Caracteriza-se igualmente como Cognição Delirante, por exemplo, a vivência experimentada por um paciente que, acometido de súbita alteração, sai para a rua, dizendo: "Eu sou o filho da estrela dAlva". Algumas vezes, contudo, essas cognições aparecem em estreita consonância com a temática delirante, ligando-se então, incidentalmente, a acontecimentos implicados no delírio. Esse tipo de Cognição Delirante ligada à temática do próprio delírio se observa, por exemplo, em pacientes obcecados com a Bíblia. Jaspers cita o caso de certa jovem que, ao ler o episódio da Ressurreição de Lázaro, sente-se, de repente, ela própria, encarnada na pessoa de Maria. Daí em diante assume o delírio onde sua irmã é Marta, Lázaro é um primo seu e passa a viver, com grande intensidade, o acontecimento narrado na Bíblia.

Além da esquizofrenia, também na Erotomania (um dos tipos de Psicose Delirante Persistente), as Cognições Delirantes podem sobrevir ligadas a acontecimentos fortuitos, correlatos ou não, os quais passam a ser tidos como ponto de partida para a construção mórbida do delírio. Será pois, um delírio de natureza primária, considerando não haver razão suficiente para a sua compreensão. Nesses casos, um "sei que a apresentadora de TV me ama...", como tantas vezes o erotômano inicia o seu delírio, é nada mais que uma cognição delirante à partir de uma assertiva que só existe em sua intuição.

Neurobiologia dos Delírios

 
A questão neurobiológica dos delírios envolve o conhecimento dos neuroreceptores da dopamina, portanto, é bom conhecermos alguma coisa deles. Ensaios com ligantes específicos levaram a várias classificações desses receptores. A mais relevante para nosso propósito é a classificação de Kebabian e Calne que os subdividiram em dois tipos, designados D1 e D2, respectivamente .

O receptor D1 está ligado à enzima adenilciclase e tem maior afinidade por antagonistas do que por agonistas dopaminérgicos. Já o receptor D2 não está ligado à adenilciclase e tem alta afinidade tanto por agonistas como por antagonistas. Os efeitos dos neurolépticos clássicos, seja no animal de laboratório ou no homem, se correlacionam com o receptor D2.

Assim, as butirofenonas e sobretudo o sulpiride, têm pouca potência para antagonizar o aumento de AMP cíclico causado pela dopamina, efeito este mediado pelo receptor D1. Ao contrário, sua afinidade pelo receptor D2, medida pelo deslocamento do espiroperidol marcado radioativamente, guarda estreita correlação com a potência clínica. Enfim, as funções dopaminérgicas parecem ser mediadas por receptores D2 e o significado funcional dos receptores D1 não está satisfatoriamente esclarecido.

A liberação de dopamina é modulada por receptores pré-sinápticos, localizados nos terminais nervosos, denominados auto-receptores. Estes auto-receptores são do tipo D2 e são muito sensíveis aos efeitos da dopamina ou da apomorfina que os receptores pós-sinápticos. Eles são ativados por agonistas dopaminérgicos levando a uma redução na síntese e liberação de dopamina pelos terminais nervosos, que é o que interessa para o tratamento da Esquizofrenia, como se fosse um mecanismo de retro-alimentação. Por causa desse fato então, acredita-se que os agonistas de auto-receptores possam se opor ao hiperfuncionamento do sistema dopaminérgico.

Assim sendo, a proposta para a abordagem terapêutica de distúrbios neuropsiquiátricos resultantes da hiperfunção dopaminérgica tem sido a estimulação do auto-receptor da dopamina (no neurônio pré-sináptico) associada ao bloqueio dos receptores dopamínicos pós-sinápticos

Mas, embora a dopamina pareça estar envolvida no aspecto bioneurológico da Esquizofrenia, existem algumas restrições à esta hipótese isoladamente. Dados atuais de imagem funcionais têm apoiado também importante papel da disfunção dos gânglios da base na gênese de sintomas delirantes dos esquizofrênicos. Pesquisas nesta área mostram uma relação consistente entre a atividade estriatal elevada e a gravidade dos sintomas psicóticos.

Além disso, a maioria dos estudos revisados mostra, concomitante às ações dos gânglios da base, também anomalias metabólicas em outras áreas, incluindo o córtex pré-frontal, regiões têmporo-límbicas e talâmicas. Observou-se que os efeitos metabólicos induzidos pelos antipsicóticos também se estenderam desde os gânglios da base até as áreas corticais e talâmicas. Estas descobertas apóiam a noção de que os Delírios Primários da Esquizofrenia estão relacionados ao distúrbio no funcionamento dos circuitos córtico-estriado-tálamo-corticais no cérebro.

A heterogeneidade de populações de células nervosas que contêm a dopamina determinam diferenças funcionais entre as diversas vias dopaminérgicas, fato constatado por 3 observações:

1) As drogas antipsicóticas clássicas, quando administradas durante algumas semanas a um animal induzem um bloqueio de despolarização ou inativação da maioria das células A9 e A10, enquanto drogas antipsicóticas atípicas (por exemplo, clozapina) administradas repetidamente inativam somente neurônios A10, que se projetam para o sistema límbico.
2) Após 7 meses de tratamento contínuo com antipsicóticos haverá uma subpopulação de células dopaminérgicas (DA) que continua espontaneamente ativa. Estas são neurônios resistentes aos antipsicóticos e se projetam para o córtex pré-frontal ou para o córtex cingulado. Eles são, portanto, neurônios mesocorticais. Como veremos posteriormente estas células nervosas são desprovidas de autoreceptores somato-dendríticos, isto é, receptores que funcionam na regulação do ritmo de disparos, ou seja, da atividade dos neurônios dopaminérgicos. No entanto, ainda não está claro até que ponto a ausência destes receptores está associada à insensibilidade destes neurônios à terapêutica prolongada com antipsicóticos.
3) Um dos efeitos adversos mais comuns dos antipsicóticos é a produção de sinais de parkinson destroem células dopaminérgicas A9, enquanto as A10 não são significativamente afetadas.

1. Hipótese Dopaminérgica
A década de 50 propiciou o surgimento da chamada Psiquiatria Biológica, a qual formula hipóteses sobre as possíveis bases biológicas das doenças mentais a partir do mecanismo de ação das drogas psicotrópicas. A sintomatologia positiva da Esquizofrenia, objeto do tratamento medicamentoso, é representada pelos delírios e pelas alucinações.

Logo, as implicações bioquímicas relacionadas à melhora do quadro esquizofrênico se referem, diretamente, às implicações bioquímicas dos delírios e alucinações. Assim sendo, vamos aplicar aos Delírios Primários da Esquizofrenia o mesmo raciocínio empregado para a visão bioquímica da própria Esquizofrenia.

Estudos pós-mortem mostraram também maiores concentrações de dopamina e seu metabólito, o ácido homovanílico - HVA, no núcleo estriado de pacientes esquizofrênicos, comparados com indivíduos normais. Elevações na concentração de dopamina e HVA também foram relatadas na amídala, restrita ao hemisfério esquerdo. Estudos pós-mortem de tecido estriatal em esquizofrênicos, utilizando ligantes marcados radioativamente, detectaram sinais elevados de ligações a receptores de dopamina D2, mas não D1, sugerindo hiperdensidade ou hipersensibilidade dos receptores D2 de dopamina.

Os últimos estudos, no entanto, detectaram anomalias menores, incluindo a perda no declínio normal idade-dependente do receptor D2 em pacientes esquizofrênicos e uma assimetria lateralizada esquerda da ligação D2, mais pronunciada em pacientes do sexo masculino.

Essa teoria dopaminérgica é apoiada por evidência farmacológica indireta, isto é, a correlação entre a eficácia clínica de agentes antipsicóticos típicos e sua habilidade para antagonizar os receptores dopamínicos do tipo D2 e, contrariamente, a habilidade da anfetamina e outros agonistas de dopamina para induzir ao delírio. A Hipótese da Dopamina prediz também o envolvimento crítico dos gânglios da base na neuroquímica dos Delírios Primários da Esquizofrenia, já que essas estruturas possuem a concentração mais alta de receptores D2 de dopamina no cérebro.

As drogas anti-psicóticas, também conhecidas como neurolépticas, portanto, atuam reduzindo a atividade dopaminérgica no SNC e as principais vias dopaminérgicas envolvidas nas ações dos neurolépticos são o Sistema Mesotelencefálico e o Sistema Diencefálico.

T.J. Crow, estudando a correlação entre os efeitos dos neurolépticos e o antagonismo de receptores dopaminérgicos, propõe uma delimitação da hipótese dopaminérgica, restringindo-a somente aos sintomas positivos da Esquizofrenia e, entre eles, os delírios e pensamentos incoerentes, característicos dos surtos agudos da doença. Em concordância com esta idéia, uma investigação post-mortem em Esquizofrênicos utilizando ligantes específicos, mostrou uma correlação positiva entre sintomas positivos e aumento de receptores D2.

Embora não seja propósito desse trabalho, apenas como curiosidade, devemos citar que diversos estudos radiológicos utilizando tomografia computadorizada revelaram uma associação dos sintomas negativos com alterações morfológicas, sobretudo com a dilatação dos ventrículos laterais do cérebro ao invés do aumento de receptores D2. Com base nessas evidências, Crow sugeriu a subdivisão da esquizofrenia em dois tipos:

O Tipo I, que seria uma psicose funcional, provavelmente devida à hiperatividade dopaminérgica, manifesta por sintomas positivos e revertida pelos neurolépticos;
O Tipo II, uma psicose orgânica tipo demência, isto é, com prejuízo cognitivo persistente e irreversível, possivelmente devida a uma encefalite crônica, manifestando-se por sintomas negativos, resistentes aos medicamentos antipsicóticos e com alterações morfológicas, sobretudo com a dilatação dos ventrículos laterais.

2. Hipóteses Não-Dopaminérgicas
O fato de medicamentos antipsicóticos típicos e atípicos interagirem mais fortemente com outros sistemas de receptores cerebrais além do sistema D2 de dopamina, levaram os investigadores a buscar mecanismos neuroquímicos alternativos que também possam contribuir para o aparecimento da sintomatologia da Esquizofrenia e, entre eles dos Delírios Primários. Várias das propostas alternativas implicaram o envolvimento primário ou secundário dos gânglios da base.

1. Outros receptores além do D2
Uma possibilidade é de que os subtipos de receptores de dopamina, que não os receptores D2 clássicos, estejam envolvidos. Dois novos subtipos da subfamília do receptor D2 de dopamina foram caracterizados recentemente utilizando técnicas de biologia molecular; os receptores D3 e D4.

2. Déficit de GABA
Outra possibilidade são os sistemas neurotransmissores diferentes da dopamina envolvidos na gênese dos sintomas (delírios) esquizofrênicos. Um candidato seria o GABA (ácido gama amino butírico), considerado um neurotransmissor inibitório. Estudos farmacológicos e anatômicos sugerem que as projeções GABAérgicas do estriado inibem os neurônios dopaminérgicos no mesencéfalo.

Em relação às interações entre o sistema dopaminérgico e processos mediados por outros neurotransmissores cabe aqui ressaltar as chamadas alças de retro-alimentação negativa. Na mais conhecida delas, a dopamina liberada estimula receptores dopaminérgicos pós-sinápticos situados em neurônios colinérgicos. Estes fazem sinapses com neurônios GABAérgicos que, por sua vez, inibem os neurônios liberadores de dopamina.

Acredita-se que estas alças de retro-alimentação constituem a maior influência modulatória sobre a atividade de neurônios dopaminérgicos na substância negra e que uma deficiência de GABA em vias límbicas pode estar envolvida em algumas formas de esquizofrenia A inibição farmacológica dessa via aumenta a atividade da dopamina no estriado ventral e leva ao comportamento psicose-símile em animais. Esses achados levaram à hipótese de déficit de GABA na esquizofrenia, a qual propõe que a deficiência na inibição GABAérgica é o distúrbio primário que subjaz a atividade estriatal dopaminérgica excessiva no transtorno .

3. Diminuição da atividade do Glutamato
Um outro mecanismo neuroquímico para a patogênese da sintomatologia esquizofrênica é a diminuição na atividade do glutamato, o principal neurotransmissor excitatório do córtex cerebral. A fenciclidina (PCP), um antagonista do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA) de receptores de glutamato, tanto quanto a anfetamina, induz estados delirantes. A noção de mecanismos glutamatérgicos deficientes harmoniza-se com a evidência de anomalias anatômicas corticais e com descobertas de transmissão dopaminérgica alterada na esquizofrenia.

Os terminais excitatórios do córtex cerebral e aferências dopaminérgicas inibitórias convergem para os mesmos neurônios de projeção no corpo estriado e exercem influências odulatórias um sobre o outro. De acordo com a proposição de Carlson & Carlson, um desequilíbrio na transmissão dopaminérgica e glutamatérgica no estriado poderia ser a anomalia neuroquímica crítica nsintomas da Esquizofrenia, levando à desinibição de circuitos córtico-estriato-tálamo-corticais e conseqüentemente à hipervigilância, à sobrecarga de informação e Delírios Primários da Esquizofrenia.

4. Hipótese Serotoninérgica
Desde a descoberta do LSD, várias tentativas têm sido feitas no sentido de explicar sua ação e a de outros alucinogênicos no SNC. O trabalho pioneiro de Aghajanian, mostrou que o LSD atua como agonista de auto-receptores de corpos celulares, diminuindo a frequência de disparo de neurônios serotoninérgicos da rafe dorsal e a conseqüente liberação de serotonina (5-HT) nos terminais nervosos.

Atualmente, sabemos que indivíduos que apresentam baixos níveis liquóricos do ácido 5-hidroxündolacético (5-HIAA), principal metabólito da serotonina, apresentam sinais de impulsividade e são propensos a cometer atos violentos contra si próprios ou contra terceiros. Baixos níveis no cérebro de 5-HIAA também têm sido associados à sintomas da Esquizofrenia.

Outra linha de evidências que pode implicar a 5-HT na Esquizofrenia refere-se a compostos que são antagonistas seletivos dos receptores do tipo 5-HT3. B. Costall e colaboradores verificaram que, da mesma forma que os neurolépticos, estes compostos eram capazes de antagonizar a hiperlocomoção cerebral têm revelado consistentes alterações estruturais do cérebro, tais como dilatação ventricular e adelgaçamento cortical, de forma a tornar-se cada vez mais forte a tendência a considerar a Esquizofrenia como uma doença neurológica associada a distúrbios do desenvolvimento cerebral.

3. Hipofunção Frontal e Pré-frontal
Para facilitar a compreensão entre os Delírios Primários da Esquizofrenia e a patologia cerebral subjacente, Mortimer e McKenna se utilizaram de pesquisas neuropsicológicas. Os testes neuropsicológicos combinados com técnicas funcionais de imagem também podem ajudar a construir a ponte entre os processos psicológicos anormais que fundamentam os sintomas esquizofrênicos, incluindo o delírio, e as alterações neuroquímicas no distúrbio.

Os de testes neuropsicológicos detectaram invariavelmente déficits significativos em pacientes esquizofrênicos delirantes. Nestes, as alterações de lentificação lembram a Doença de Parkinson e outras demência subcorticais , mas as compatíveis com o comprometimento do lobo frontal tendem a ser mais proeminentes.

Emil Kraepelin, neuropsiquiatra alemão, no fim do século passado foi o primeiro a sugerir que danos nos lobos frontais seriam subjacentes às manifestações clínicas da demência precoce, tais como distúrbio do raciocínio, incapacidade de planejamento, embotamento emocional, delírio e perda do juízo crítico.

Sintomatologicamente, os pacientes esquizofrênicos que manifestam déficit gradual das funções cognitivas e do desempenho social, ao lado da desmotivação, anedonia, perda do senso de responsabilidade, delírio e perda do juízo crítico, são fenomenologicamente similares aos pacientes com danos do córtex pré-frontal.

Ao lado dessa questão clínica, estudos com imagens computadorizadas do cérebro e do metabolismo da glicose em áreas frontais, bem como com tomografia por emissão de pósitrons, têm mostrado evidências diretas de redução da atividade do córtex frontal em pacientes esquizofrênicos. Com utilização destas técnicas verificou-se uma redução do fluxo sanguíneo e do metabolismo regional, tanto em condições de repouso quanto em várias situações de estimulação sensorial ou cognitiva.

Em relação ao córtex pré-frontal, seu hipometabolismo correlaciona-se com a severidade do quadro clínico dos pacientes esquizofrênicos. De particular interesse nesta questão são os efeitos clássicos do medo condicionado. Vários laboratórios têm demonstrado que o sistema dopaminérgico mesocortical pré-frontal é ativado pelo medo condicionado, enquanto que outros sistemas dopaminérgicos mesotelencefálicos não o são. Até que ponto esta característica diferencial pode estar associada à ausência de auto-receptores no sistema dopaminérgico mesocortical ainda precisa ser investigada.

De qualquer forma, sabe-se que o sistema dopaminérgico pré-frontal parece estar sob a influência do GABA, principal neurotransmissor inibitório do SNC, uma vez que o diazepam e o lorazepam bloqueiam a sua ativação notadamente induzida pelo stress. Além disto, da mesma forma, agonistas de receptores GABA agem no mesmo sentido do stress, produzindo um aumento dose-dependente no metabolismo da dopamina no córtex pré-frontal. A associação entre mecanismos dopaminérgicos e ansiedade é fortalecida pelo fato de certos pacientes com ansiedade beneficiarem-se da terapêutica com baixas doses de neurolépticos.

O córtex pré-frontal possui importantes funções cognitivas bem desenvolvidas na espécie humana, sendo essencial para a formulação de planos de ação, à projeção de metas futuras e à supervisão e controle dessas ações. Ele também é importante para a regulação das emoções por instruções simbólicas, inclusive verbais.

Devido ao fato do córtex pré-frontal ser responsável pela contactuação com a realidade (cognição), nos delírios essa atividade está seriamente comprometida. Além disto, o uso de técnicas como o PET ou o SPECT revelaram déficits no funcionamento do córtex pré-frontal de pacientes delirantes, principalmente durante a execução de tarefas que demandam a ativação desta região, como por exemplo, a atenção seletiva.

Além da hipofrontalidade, os estudos revelam também sinais de hiperfuncionalidade subcortical, sobretudo na região dos gânglios da base. Nesta mesma direção estão os achados que indicam que alterações patológicas nos lobos frontais em alguns esquizofrênicos podem estar associadas com a supersensibilidade de receptores DA no sistema mesolímbico e nigroestriatal. Apoiando esta idéia situam-se os estudos post-mortem conduzidos por L. Farde e cols, demonstrando que a densidade de receptores D2 e a concentração de dopamina no córtex frontal é extremamente baixa em comparação com o número destes receptores nos sistemas mesolímbico e nigroestriatal.

Estes autores admitem que a hiperatividade dopaminérgica nos últimos sistemas possa ser um mecanismo compensatório para a disfunção mesocortical. Tais evidências permitem conjecturar ainda sobre uma possível associação da hipofrontalidade com os sintomas negativos e da hiperfunção subcortical com os sintomas positivos da esquizofrenia.

4. Deficiência de monitoração interna do SNC
Recentemente, os modelos neuropsicológicos de esquizofrenia procuram descrever os processos psicológicos anormais subjacentes aos sintomas delirantes, e relacionam então esses processos à disfunção de circuitos neuronais específicos no cérebro. Os sintomas delirantes e alucinatórios, por sua vez, foram propostos como reflexo de uma deficiência na monitorização interna que leva os pacientes a atribuir erroneamente suas próprias ações às fontes externas.

Esse déficit poderia ser causado por uma falha de comutação das intenções auto-geradas do córtex pré-frontal para um centro monitor no hipocampo que avalia e detecta erros em programas de ação em andamento. Os sítios da disfunção caracterizada por essa deficiência na monitorização interna deve-se, segundo Frith e Donne, às conexões anatômicas existentes entre o córtex cingulado e o giro parahipocampal . Anomalias estriatais também contribuem para a deficiência na monitorização interna e a relação entre essas atividades estriatais aumentadas e a gravidade de sintomas del;irantes e alucinatórios puderam ser detectados na tomografia por emissão de pósitron (PET) do fluxo sangüíneo cerebral (FSC) e estudos SPECT de repouso .

5. Disfunções dos Gânglios da Base e Delírios
Pacientes esquizofrênicos com histórias recentes de delírios e alucinação apresentaram fluxo sangüíneo excessivo nos gânglios da base esquerdos durante o exercício de ativação, enquanto os pacientes sem delírios e alucinações e os controles sadios tenderam a mostrar reduções FSC naquela área .

Os sintomas psicóticos de delírio são freqüentemente observados em outras condições psiquiátricas além da esquizofrenia, como por exemplo a mania, depressão, psicoses persistentes, reativas breves e orgânicas, e podem responder eficientemente aos medicamentos antipsicóticos. Portanto, a disfunção dos gânglios da base e suas conexões com o córtex pode ser relevante para a fisiopatologia dos sintomas psicóticos em geral, em vez de ser específica aos transtornos esquizofrênicos .

Estudos funcionais por imagem in vivo em transtornos psicóticos não-esquizofrênicos são necessários para confirmar a possibilidade apresentada previamente. Há, por exemplo, registros de alterações metabólicas dos gânglios da base nos Delírios Secundários (Deliróides) dos transtornos afetivos , mas nenhum estudo se referiu especificamente à relação entre os sintomas psicóticos e a disfunção regional nestas condições.

Curiosamente, no entanto, um estudo recente C-NMSP PET de Pearlson et al avaliou padrões de ligação do receptor D2 estriatal em pacientes psicóticos não medicados e pacientes não psicóticos sofrendo de transtornos afetivos bipolares comparados com controles normais. Elevações estriatais D2 significativas foram encontradas apenas no grupo de pacientes com sintomas psicóticos e foram relacionadas especificamente à gravidade destes sintomas. Essas descobertas sugerem que as anomalias do receptor D2 de dopamina in vivo estão envolvidas na gênese dos sintomas psicóticos em condições diferentes da esquizofrenia e enfatizam a função relevante da disfunção dos gânglios da base na fisiopatologia da psicose em geral.

As descobertas revisadas por Eurípedes, Scott e James sugerem que as anomalias dos gânglios da base estão envolvidas na fisiopatologia de síndromes delirantes em geral e da esquizofrenia em particular. Além do enfoque sobre os gânglios da base como sendo relacionado à sintomatologia psicótica, também se evidencia a relevância dos circuitos córtico-estriado-tálamo-corticais disfuncionais na gênese desses quadros.

6. Bloqueio da transmissão de Dopamina e ação anti-delirante
Inúmeros relatos clínicos e de laboratório implicam o bloqueio de receptores dopaminérgicos como responsável pela ação anti-psicótica e anti-delirante dos neurolépticos. Com base nessas observações sugeriu-se que o hiperfuncionamento da transmissão dopaminérgica no SNC esteja subjacente aos Delírios Primários da Esquizofrenia. São várias as evidências que a apóiam, embora existam também argumentos contrários a esta hipótese.

Todas estas evidências dão suporte á noção de que a dopamina está envolvida na patogênese de Delírios Primários da Esquizofrenia. A liberação excessiva de dopamina induzida por anfetamina ou 1-DOPA, por exemplo, pode determinar ou agravar estados delirantes, mania e distúrbios do tipo esquizofrenia paranóide. A associação entre a ação dos neurolépticos e o bloqueio de receptores da dopamina no sistema límbico é ainda confirmada por estudos eletrofisiológicos que indicam que a aplicação iontoforética destes compostos no núcleo accumbens antagoniza a depressão da atividade celular induzida pela aplicação de agonistas da dopamina. Além disto, ensaios com ligantes específicos mostram que a maioria dos neurolépticos liga-se especificamente aos sítios da dopamina (receptores D2) dentro do sistema límbico.

Para referir: -fonte: www.psiqweb.med.br
Ballone GJ - Delírios in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008.

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