São Paulo – A Câmara dos Deputados abriu na quinta-feira (20) espaço
na TV institucional da casa para que o deputado federal Roberto Lucena
(PV-SP), relator do projeto de Decreto Legislativo nº 234/2011 –
apelidado de “cura gay” – discutisse a matéria com a sociedade. Um
videochat foi promovido para debater o projeto e a síntese das
discussões integrou a programação do jornal Câmara Hoje, na TV Câmara. A
iniciativa tem provocado revolta em setores ligados ao movimento LGBT,
que tratam o projeto como um verdadeiro ato de homofobia promovido pela
Câmara.
De autoria do deputado federal João Campos (PSDB-GO), o projeto susta
a aplicação de dois dispositivos da Resolução 1/99 do Conselho Federal
de Psicologia que orientam os profissionais da área. O primeiro diz que
os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham
tratamento e cura da homossexualidade. O segundo determina que os
psicólogos não se pronunciarão publicamente de modo a reforçar os
preconceitos em relação aos homossexuais como portadores de qualquer
desordem psíquica.
Para João Campos, ao proibir os psicólogos de colaborar com serviços
que proponham o tratamento da homossexualidade, o conselho está
restringindo o direito de um paciente homossexual eventualmente
insatisfeito com sua condição receber atendimento psicológico, quando o
solicitar. Campos também avalia que a resolução ofende o princípio
constitucional da liberdade de expressão, ao impedir o psicólogo de se
pronunciar publicamente.
No entendimento da vice-presidenta do Conselho Federal de Psicologia
(CFP), Clara Goldman, o projeto da Câmara interfere na norma da
categoria, o que não é prerrogativa do Legislativo. “Esse projeto
exorbita a função do parlamento. Nós não somos um órgão do Legislativo
federal. Nossa prática é regida pelo conselho profissional e nossa
Resolução não cria dificuldades para o exercício profissional. Ela
normatiza e orienta que a homossexualidade não pode ser vista como
patologia”, afirma.
Para a psicóloga, os profissionais são orientados pelo CFP a
colaborar com a antidiscriminação e fazer o enfrentamento à homofobia.
Segundo ela, o projeto que sugere a “cura gay” surge na contramão deste
processo. “As terapias de reversão não têm base científica e são
eticamente equivocadas. Um psicólogo não pode induzir um paciente sobre a
sua sexualidade. Além do que, homossexuais não são doentes”, alerta.
A natureza do projeto, que se propõe a ser uma alternativa aos gays
que queiram tratamento por suposto conflito com sua sexualidade, na
verdade esconde valores conservadores que colocam sobre os homossexuais a
culpa pelo preconceito que sofrem da sociedade. É assim que a psicóloga
Clara Goldman interpreta a iniciativa da Câmara. “Dizer que eles
precisam de tratamento já estabelece que, por eles sejam gays, eles
sofrem. O que causa sofrimento é o preconceito da sociedade que impõe a
heteronormatividade. Este é o pensamento homofóbico. Este projeto não
defende direitos de orientação sexual, ele incentiva o avanço da
violência contra homossexuais e mascara a sua real motivação:
preconceito e homofobia”, salienta.
O relator, deputado Roberto de Lucena (PV), é favorável à proposta.
Ele argumenta que ela se originou de queixas de profissionais que têm
sido levados a julgamento no Conselho de Ética de seu órgão de classe
quando atendem pessoas egodistônicas – cuja sexualidade não está em
conformidade com sua personalidade.
“Não tem cabimento uma lei proibir as pessoas de fazerem as mudanças
que elas mesmas desejam em suas vidas, independentemente de serem na
área sexual ou não. Também não há cabimento a proibição de profissionais
atenderem a essa demanda”, afirma Lucena. “Se determinado cidadão de
orientação heterossexual, em conflito com a sua heterossexualidade,
desejar ajuda por definir-se pela homossexualidade, o psicólogo poderá
livremente atendê-lo em sua solicitação. No entanto, o sentido contrário
não é permitido”, argumenta.
Para o coordenador nacional de Diversidade Sexual, Gustavo Bernardes,
“submeter uma pessoa para que ela deixe de ser heterossexual ou
homossexual é impensável”. E complementa: “A Organização Mundial da
Saúde e entidades internacionais de psiquiatria encerraram esta
discussão há muito tempo. O curandeirismo vai trazer mais traumas do que
superação”.
O governo federal, por meio da Coordenadoria Nacional de Diversidade
Sexual, atua em parceria com o Conselho Federal de Psicologia no sentido
de esclarecer o Parlamento sobre a Resolução do Conselho. “Cabe a ele
regular o exercício de sua própria profissão. Temos (Legislativo e
Executivo) que respeitar as competências do conselho da categoria”,
salienta Bernardes.
O Conselho Federal de Psicologia encaminhou ofício ao relator,
alegando que o projeto de lei pretende sustar uma resolução que já
defende os direitos humanos e a livre orientação sexual. “O argumento
dos defensores do projeto é que a população LGBT tem o direito de ser
assistida na perspectiva da reversão da orientação sexual. Então, vamos
resolver o ‘problema da homossexualidade’ transformando os gays em
heterossexuais?”, indaga a vice-presidente Clara Goldman.
Para ela, é uma contradição do Partido Verde pactuar com um projeto
de natureza na intolerância. “O manifesto do PV salienta a diversidade e
a livre orientação e estranhamente isto não é contemplado no parecer do
parlamentar neste projeto. Assusta o peso do interesse conservador que
se coloca acima das plataformas de partidos”, fala.
O projeto da “cura gay” ainda será examinado pelas comissões de
Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania
(inclusive no mérito) para ser votado em plenário. O Conselho Federal de
Psicologia espera que a sociedade consiga manifestar indignação aos
membros das comissões de modo que o tema não avance na casa legislativa.
“Espero que os parlamentares utilizem o seu precioso tempo confiado a
eles pela sociedade com projetos de natureza de fato relevante, como
educação. E que não vá adiante um tema deliberadamente homofóbico como
este. Aguardamos pela rejeição deste texto e o seu arquivamento”,
defende.
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