Experiência soviética ensinou os russos de que era melhor sofrer do
que admitir a necessidade de ajudar. Mas os tempos estão mudando.
Não é surpresa alguma que viver na
Rússia é difícil. Trata-se de um país frio, os salários são baixos e o governo
tende a ser indiferente com a população. No entanto, os russos tradicionalmente
assumem a perspectiva de que sofrer faz parte da vida e, portanto, não vale a pena
discorrer sobre isso. Recentemente, contudo, um número maior de russos começou
a procurar ajuda de especialistas.
10
razões para sorrir (ou não) na Rússia
“Recorri a psicólogos e definitivamente
continuarei fazendo isso”, diz Olga Gavrílova, 30, editora-chefe do canal de
negócios “Uspekh” (“Sucesso”). “Nosso cérebro é um sistema tão complexo, e os
psicólogos abrem todas as travas da nossa consciência com bastante cuidado.”
Gavrilova pode ser, entretanto, a
exceção que prova a regra. O administrador, Dmítri Smirnov, 28, pensa que a
melhor solução para qualquer problema ainda é ir ao bar com os amigos. “Tenho
certeza de que isso me ajudará muito mais do que o melhor psicólogo do mundo”,
defende.
Um pouco de história
A postura russa em relação à psicologia
se deve parcialmente ao modo de vida sob o regime comunista. Na época
soviética, as pessoas ouviam constantemente que suas vidas eram maravilhosas – e
pensar de outra forma era sinal de antipatriotismo.
Após a queda da URSS, os russos foram
confrontados tanto com as dificuldades da “terapia de choque” econômica, que
causou a ruína do antigo padrão de vida, como com a invasão da cultura pop
vinda do exterior, mostrando como era a vida em países mais afluentes. Embora
essa combinação supostamente incentivasse as pessoas a procurar ajuda
psiquiátrica, a realidade mostrou o contrário.
“Na União Soviética, a psicologia como
ciência, cujo objetivo era desenvolver o potencial das pessoas, não era
nem um
pouco bem-vinda”, diz Rustam Nabiúllin, psiсoterapeuta do Centro
Cultural "Punctum", em Moscou. Em vez disso, ser enviado a um psiquiatra
era
considerado uma forma de punição. Ainda hoje, o prefixo “psico” é um
termo
pejorativo no país.
De acordo com o psicoterapeuta Rustam Nabiúllin, os russos atualmente:
1) Apresentam altíssimo nível de ansiedade2) Sofrem de estresse e exaustão constantes
3) Confiam apenas em si mesmo e têm receio de pedir ajuda
4) Consideram fraco alguém que expresse os seus sentimentos
5) Estão sempre esperando que algo ruim aconteça
As hotlines, ou linhas diretas, para
pessoas em busca de ajuda psicológica surgiram no final da década de 1980, mas o
primeiro centro oficial com tal finalidade foi criado apenas em setembro de
1999 pelo Ministério para Situações de Emergência. O Centro para Ajuda
Psicológica era uma espécie de departamento dentro do próprio ministério e
tinha objetivo de oferecer auxílio aos funcionários do órgão que haviam
trabalhado em missões difíceis, tais como ataques terroristas e acidentes de
avião.
Psicologia hoje
Hoje em dia, existem sete centros de
aconselhamento em Moscou que oferecem gratuitamente ajuda psicológica para os
moradores da capital – o que corresponde ao número de distritos da cidade. Por
outro lado, de acordo com estatísticas de 2013, há mais de 80 centros privados
oficialmente registrados que prestam ajuda semelhante.
“Acho que o maior problema hoje em dia é
que, no nosso país, há poucos psicólogos formados. Existem muitas pessoas que
se autointitulam psicólogos, mas eles não sabem realmente como ajudar as
pessoas”, diz Gavrílova. “Um bom especialista é aquele que tem anos de prática
e conhece toneladas de métodos que podem ser aplicados aos pacientes.”
Como
os russos se relacionam com o corpo
O jovem administrador Smirnov, no
entanto, acredita que mesmo consultar-se com um bom profissional pode ter seus
inconvenientes. “Quando você procura o seu psicólogo cada vez que tem algum
problema, mesmo os menos importantes, você acaba se tornando viciado e não pode
mais viver sem ele”, argumenta.
Como resultado, muitos jovens russos
preferem recorrer à seção de livros de autoajuda nas livrarias ou procurar por
obras sobre o assunto na internet. Prova disso é que o Google Rússia apresenta
12,2 milhões de resultados ao simplesmente digitar “download de livros sobre
psicologia” no campo de busca. Quando a pesquisa inclui “livros de treinamento
pessoal”, são mais de 600 mil páginas encontradas.
Treinamento pessoal
O “life coaching”, ou treinamento
pessoal, também está sendo tornando cada vez mais popular entre os russos. Essa
técnica foi introduzida nos Estados Unidos e, desde então, espalhou-se por
diversas partes do mundo. Com a ajuda da internet, é fácil achar vídeos e
lições on-line sobre treinamento ou contratar um “coach” (treinador) por Skype.
“Um coach profissional deve ser capaz de
não apenas escutar, mas ouvir o seu cliente com atenção e fazer perguntas
adequadas que ajudarão a guiar a pessoa para a resposta certa”, explica Olga Gavrílina,
que atua como coach no Centro Punctum de Moscou.
O coaching pessoal como um sistema nasceu a partir da psicologia do esporte. Os atletas que treinam para se tornarem campeões precisam de uma forte motivação, e o treinador encontra maneiras de fornecer esse estímulo. Da mesma forma, o coaching psicológico desenvolvido por Marylin Atkinson ajuda as pessoas a desbloquear o seu potencial interior e a usá-lo no cotidiano.
“Às vezes, as pessoas, especialmente
aqui na Rússia, pensam que essa prática é superficial. Mas, depois de trabalhar
como coach por mais de cinco anos, posso assegurá-los de que lidar com
potencial não explorado é, muitas vezes, bem mais difícil do que lidar com uma
experiência emocional do passado”, completa a psicóloga.
Enquanto os europeus e americanos se
beneficiam de um sistema bem estabelecido de programas de treinamento pessoal e
metodologia psicológica desenvolvida, a Rússia parece estagnada no
desenvolvimento de tais práticas. A esperança é que, considerando os grandes
desafios da vida moderna, as chances de a Rússia rapidamente alcançar os demais
países também sejam grandes.
Fonte:http://gazetarussa.com.br/
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