O massacre na escola de Newtown, Connecticut, horrorizou os EUA. Mas que
impacto, se é que haverá algum, isso terá no debate sobre as leis de
armas no país?
Até numa nação com um histórico de ataques a tiros - Columbine,
Virginia Tech, Aurora e muitos outros -, as mortes de 20 crianças na
Escola Sandy Hook são particularmente chocantes.
A tragédia reabre o debate sobre
mais controle na venda de armas. Logo depois do massacre, o presidente
Barack Obama pediu "ações significativas", acrescentando: "Como país,
passamos por isto vezes demais".
Segundo um estudo de julho da revista de esquerda Mother Jones
de 62 massacres ocorridos no país desde 1982, 75% das 139 armas usadas
pelos atiradores haviam sido obtidas legalmente. Dessas, mais de 60 eram
semiautomáticas e mais de 30 eram armas de combate.
Mas num país com estimados 300 milhões de armas,
onde o direito de portá-las é mencionado na Constituição, defensores do
controle de armas estão cansados de advogar que uma mudança é possível.
Menos apoio a restrições
Trata-se, afinal, do país onde a National Rifle
Association (NRA), organização pró-armas, tem mais de 4 milhões de
membros. Segundo a pesquisa Small Arms Survey, havia 88,8 armas de fogo
para cada 100 americanos em 2007.
Para James Jacobs, diretor do Centro de
Pesquisas em Crime e Justiça da Universidade de Nova York, o apoio a uma
legislação mais dura para o porte de armas tem declinado nos últimos
anos, junto com a queda na taxa de crimes violentos.
"Todo o ímpeto político dos últimos 20 anos tem sido favorável aos direitos dos portadores de armas", diz.
Em 2008, a Suprema Corte decidiu que a Segunda
Emenda constitucional dá aos americanos o direito de possuir armas para
uso pessoal, e não apenas para proteger o direito coletivo dos Estados
de manter milícias.
A Câmara dos Representantes (Deputados) é
atualmente controlada pelo Partido Republicano, que tem laços com o NRA.
O ex-presidente republicano George W. Bush permitiu que um veto a armas
de combate expirasse, em 2004.
Ao mesmo tempo, os reveses de políticos
democratas que apoiaram leis de controle de armas em 1993 e 94
assustaram os liberais, que passaram a manter distância desse debate,
diz Kristin Gross, da Universidade Duke.
"Os democratas creem que não é um tema em que podem ganhar", afirma.
Como resultado, o porte de armas praticamente
não foi discutido na campanha eleitoral de 2012, exceto quando Obama,
questionado a respeito em um debate, reafirmou seu apoio a um veto a
armas de combate.
Outros exemplos
Outros países palcos de massacres responderam com leis mais duras para o porte de armas.
No Reino Unido, o acesso a armas de fogo foi
restrito após o massacre de Hungerford, em 1987, quando 16 pessoas foram
mortas por um atirador; revólveres foram banidos após outro massacre,
em Dunblane, em 1996, quando um homem matou 16 crianças e uma professora
em uma escola escocesa.
A Austrália também reforçou as leis de armas
após um massacre em 1996, e a Finlândia - país com uma das legislações
de armas mais permissivas da Europa e um dos maiores índices de porte de
armas - dificultou a emissão de porte após a morte de 11 pessoas em uma
universidade em 2008.
A Noruega, porém, não reforçou suas já duras leis de armas após os ataques de Anders Behring Breivik em 2011.
Nos EUA, atrocidades prévias tampouco provocaram mudanças.
O impacto de Newtown
A escala e a natureza do massacre de
Connecticut, porém, colocaram o controle de armas de novo em debate, de
uma maneira que outras tragédias não foram capazes de colocar. E
liberais esperam que o novo mandato de Obama dê ao presidente força para
enfrentar o tema.
Uma nova legislação mais dura não é impossível,
mas ainda de difícil alcance, opina Robert Spitzer, professor da
Universidade Estadual de Nova York e autor do livro The Politics of Gun Control.
"As pessoas estão genuinamente chocadas (pelo
ocorrido em Newtown)", diz ele. "Obama está em posição de exercer alguma
liderança nesse assunto. Mas acho difícil imaginar o novo Congresso
aprovando novas leis de armas."
Mesmo que Obama tome a iniciativa, prossegue
Spitzer, o presidente enfrentará barreiras institucionais. O sistema
político americano prevê que a maioria das leis de armas sejam
estaduais, e não federais. Connecticut, por sinal, tem legislação
relativamente rígida para os padrões americanos.
Além disso, uma nova lei federal teria que driblar diversas brechas.
O Brady Act (assinado por Bill Clinton em 1993)
determina que a União deve supervisionar as compras de armas,
cadastrando compradores com antecedentes criminais e histórico de
problemas mentais. Mas 40% das vendas não são afetadas por essa lei,
porque ocorrem entre indivíduos (por exemplo, em feiras de armas ou pela
internet).
Mesmo quando a venda é checada, ainda há
empecilhos. Jared Laughner, que atirou contra a congressista Gabrielle
Giffords e matou seis pessoas no Arizona em 2011, comprou uma arma Glock
19 apesar de ter antecedentes criminais e de ter sido expulso da
universidade por seu comportamento errático. Mas ele nunca havia sido
condenado nem avaliado por profissionais de saúde mental.
Defensores
Nesse cenário, defensores do porte de armas
argumentam que nem as regulações nem a abordagem clínica são a saída
para evitar massacres.
"Acho que se trata de um problema de saúde mental, mais do que um problema de controle de armas", diz James Jacobs.
Defensores de mais regulação ressaltam o fato de
os EUA terem altos índices de homicídios com armas de fogo em
comparação a outros países desenvolvidos, mas também admitem que, num
país em que há quase uma arma para cada cidadão, é difícil imaginar leis
rígidas de controle.
Para Kristin Gross, a pressão por mudanças só será eficiente se partir da população.
"Não acho que líderes (políticos) vão liderar esse movimento", diz ela. "Acho que só vão segui-lo."
Fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/12/121217_debate_armas_eua_pai.shtml
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